Sempre me perguntei se existe mesmo um ponto em nossa vida onde tudo se encaixa, uma espécie de estação final onde, enfim, a vida faça sentido. Parece meio triste, não é mesmo? Mas não é!
Você percebeu que por todos os lados o que mais encontramos por aí são tentativas?
Gente tentando entender o outro, tentando sobreviver, tentando amar sem saber ao certo o que está fazendo. Gente que nem sabe por que está no mundo. Gente que, às vezes, age como se nem gente fosse. O que tenho percebido com o tempo, e agora já nos meus 43 anos bem vividos, é que talvez o sentido da vida não seja o destino, mas realmente a caminhada. Um jeito de estar no mundo que começa no respeito e termina no reconhecimento de que ninguém é mais do que ninguém.
Lembro do que dizia o Enéas, não o personagem que virou bordão, mas o educador, o Dr. Enéas Ferreira Carneiro, que existia por trás da caricatura. Ele falava, com uma firmeza desconcertante, sobre a dignidade de quem limpa o chão e a de quem estuda as estrelas, e dizia que a diferença entre eles era, essencialmente, a quantidade de informação, não o valor humano. E quando ele dizia isso, não era para fazer média, não era para fazer mídia. Era porque ele sabia, como poucos, que a sociedade se organiza sobre uma mentira: a de que há seres humanos mais importantes que outros.
Essa mentira tem muita força, porque ela muitas vezes veste terno, assina contrato, tem diploma e às vezes fala difícil. Mas, no fundo, é só isso: uma mentira bem vestida. A verdade é que todos nós nascemos do mesmo barro e voltaremos ao mesmo pó. E, entre um ponto e outro, só faz sentido viver se for para reconhecer o outro como extensão da nossa própria existência.
Mas isso, infelizmente, não aprendemos como deveríamos. Na escola, por exemplo, a gente aprende fórmulas, aprende regras que eu ainda acho complicadas. Me vejo perdido ainda na matemática, eu confesso. Mas confesso também que aprendi tarde a me colocar no lugar do outro. E aí crescemos achando que é normal ver uma criança revirando o lixo, alguém, com o frio que tem feito, dormindo na rua. Achamos normal mudar de calçada quando alguém pede esmola.
A gente cresce e enche a boca para falar em meritocracia, como se tivesse nascido num campo de provas e não numa loteria social. Crescemos confundindo sucesso com superioridade.
Vendo o vídeo do Dr. Enéas, percebo que o sentido da vida passa por uma pergunta muito simples: de que adianta o que você tem, se isso não melhora a vida de ninguém? Porque o verdadeiro prestígio não é ter dinheiro ou reconhecimento, é sobre ser lembrado como alguém que soube ser justo mesmo quando podia não ser. Que soube ser gentil mesmo quando estava cansado. Que soube ouvir mesmo quando discordava.
A gente só está realmente vivo quando é útil para além de si mesmo, e, a cada dia, eu vejo isso com mais clareza. O dia em que eu acordar indiferente à dor do outro, o dia em que eu achar que já fiz o bastante e que o resto não é comigo, é o dia em que deixo de merecer a vida que tenho. Significa que, mesmo vivo, eu já morri.
E isso, por mais maluco que pareça, é o mais próximo que eu consegui chegar de um sentido da vida. Não um manual, nem uma fórmula. Mas uma maneira de caminhar sem pisar em ninguém, de subir sem esquecer quem segurou sua escada, de envelhecer sem endurecer.
Talvez o sentido da vida seja justamente esse: não passar por ela como se a gente estivesse sozinho.
Confira o vídeo da fala do Dr. Enéas Ferreira Carneiro sobre o sentido da vida no Programa Matéria Prima (1990) – TV Cultura