A cultura gaúcha é uma expressão rica de tradições, valores e história do Rio Grande do Sul, cultivada e preservada por gerações. Um marco importante nesse processo foi a fundação do Departamento de Tradições Gaúchas (DTG), que teve papel fundamental na valorização e difusão das raízes gaúchas entre os jovens. Veja agora os acontecimentos que deram origem a esse movimento:
Em 1947, João D’Ávila Paixão Cortes, com a ajuda de mais sete pessoas, estudantes do Colégio Júlio de Castilhos, fundaram o Departamento de Tradições Gaúchas, junto ao Grêmio Estudantil. Esse movimento tinha como objetivo fomentar a cultura gaúcha na sociedade, principalmente entre os jovens, pois era uma ação escolar que reunia jovens de diferentes classes sociais. Essa iniciativa contribuiu significativamente para a difusão da cultura gaúcha, a ponto de o tradicionalismo atual manter suas práticas baseadas nesse modelo.
Foi então que o DTG criou a “Ronda Gaúcha” (mais tarde nomeada “Ronda Crioula”), que se assemelhava bastante à forma como é realizada atualmente, começando no dia 7 de setembro e terminando no dia 20. O dia 7 de setembro foi marcado por um dos acontecimentos mais importantes para o Rio Grande do Sul e sua cultura, que foi a criação da “Chama Crioula”, cerimônia que se mantém até hoje.
Paixão Cortes demonstrou grande visão e sensibilidade cultural em sua iniciativa. Sabendo que o fogo simboliza a alma e o espírito vivos em muitos grandes eventos, ele pediu ao comandante da Liga de Defesa Nacional, o Major Darcy Vignolli, a possibilidade de retirar uma centelha do Fogo Simbólico da Pátria para acender a Chama Crioula nas festividades da Ronda Gaúcha. Assim, essa chama aqueceria o coração dos brasileiros e dos gaúchos, tornando-se um símbolo de união “indissolúvel” entre o Rio Grande do Sul e a Pátria Mãe. O Major Darcy Vignolli não hesitou em aceitar e ainda convidou Paixão Cortes a montar uma guarda de gaúchos para escoltar os restos mortais do General David Canabarro, que estavam sendo transferidos de Santana do Livramento para Porto Alegre.
No dia 5 de setembro, oito jovens estudantes do Colégio Júlio de Castilhos montaram seus cavalos, trajando roupas típicas, chapéus na cabeça e carregando as bandeiras do Brasil e do Rio Grande do Sul, escoltando os restos mortais do herói farroupilha David Canabarro.
Assim nasceu o “Grupo dos 8”, formado por Antonio João de Sá Siqueira, Fernando Machado Vieira, João Machado Vieira, Cilço Campos, Ciro Dias da Costa, Orlando Jorge Degrazzia, Cyro Dutra Ferreira e João Carlos Paixão Cortes. Esse grupo, mais tarde chamado “Piquete da Tradição”, foi responsável por fundar o primeiro CTG do mundo, o “35º CTG”, que existe até hoje.
Dois dias depois, próximo da meia-noite do dia 7 de setembro de 1947, João D’Ávila Paixão Cortes, Cyro Dutra Ferreira e Fernando Machado Vieira, devidamente pilchados e montados em seus cavalos, aguardavam junto à Pira da Semana da Pátria. Ao momento da extinção da chama, Paixão Cortes subiu ao topo da Pira com um archote improvisado, feito de estopa com querosene atada à ponta de um cabo de vassoura, e assim acendeu a primeira Chama Crioula. Em seguida, dirigiram-se ao colégio, onde instalaram essa centelha em um candeeiro, que foi utilizado durante todas as festividades da Ronda Gaúcha, sendo apagado apenas no dia 20 de setembro.
No fandango especial do dia 20 de setembro de 1947, o evento contou com convidados ilustres, incluindo jornalistas, escritores, historiadores e poetas que abrilhantaram a celebração. Entre eles, destacam-se o jornalista e escritor Manoelito de Ornellas e o desenhista campeiro e declamador Amândio Bicca. Relatos contam que, em meio à roda de chimarrão e café de chaleira, Manoelito proferiu um discurso apaixonado em favor das causas regionalistas, manifestando confiança no ideal e na determinação daqueles jovens em impulsionar a cultura gaúcha.
Um momento marcante dessa Ronda foi o encontro entre Luiz Carlos Barbosa Lessa e João D’Ávila Paixão Cortes, quando Barbosa Lessa se juntou a esse movimento emergente, que podemos considerar como o início do tradicionalismo como uma força popular viva e organizada.
A Ronda Crioula, com toda essa riqueza cultural e simbólica, foi a precursora da Semana Farroupilha, evento oficialmente instituído 17 anos depois, pela Lei Estadual nº 4.850, de 11 de dezembro de 1964. Portanto, a Semana Farroupilha vai muito além de um simples momento para reunir amigos, cantar o hino e comemorar um feriado, é um período de profunda reflexão, para que cada gaúcho possa entender suas origens e reconhecer os esforços dedicados para manter viva a tradição.