Em 2023, o Departamento Tradicionalista Gaúcho (DTG) Poncho Verde protagonizou um dos momentos mais marcantes do Encontro de Artes e Tradição Gaúcha (ENART) ao apresentar como coreografia de entrada a música “Os Homens de Preto”. A escolha ousada e sensível não apenas encantou o público, como também rendeu ao grupo o prêmio de melhor entrada no evento.
A letra retrata a condução do gado para o abate, sob o comando dos vaqueiros, os chamados “homens de preto”. Com versos repetitivos e melancólicos, a música mergulha em uma atmosfera de inevitabilidade, os bois seguem marcados, berrando, sem compreender o destino que os aguarda. Enquanto isso, os vaqueiros riem e cantam, alheios, à tragédia iminente.
A figura dos “homens de preto” pode ser lida como uma metáfora da morte ou da função humana em conduzir o outro ao fim. A repetição da palavra “Deus” ao longo da letra atua como um lamento silencioso, um clamor por justiça ou compreensão diante de um destino que parece injusto. A poeira que sobe aos céus carrega mais do que terra: carrega a dor, a dúvida e a ausência de respostas.
A canção provoca uma reflexão dura e necessária sobre a moralidade no campo, mostra como o trabalho, mesmo o mais tradicional, pode gerar insensibilidade diante da dor do outro, neste caso, dos animais. E embora os vaqueiros sejam descritos como “maus”, a música não os julga diretamente, em vez disso, sugere que a rotina, repetida geração após geração, é o que molda comportamentos e endurece sentimentos.
Ao ser levada ao palco do ENART, “Os Homens de Preto” ultrapassou a música e se tornou performance, mas sua essência continua a mesma: um convite à reflexão sobre como olhamos para a vida, a morte e a empatia, não apenas no campo, mas em todas as formas de relação entre seres vivos.