Não se configura novidade os ataques
impetrados contra lugares sagrados de algumas denominações religiosas,
especialmente as de matriz africana. Sobre este fato cabe lembrar que o direito
à expressão religiosa é garantido pela Constituição Federal. O artigo 5º versa que “todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. O texto discorre sobre as
diferentes liberdades garantidas. O
parágrafo VI desse artigo afirma que: “é inviolável a liberdade de consciência
e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e
garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.
Vê-se que qualquer forma de ataque ou impedimento ao exercício da expressão religiosa
pessoal ou comunitária configura-se como crime.
Para os católicos
existe também algumas orientações a partir do documento Dignitatis Humanae promulgado durante o Concílio Vaticano II (1965).
Escreve o documento: “este Concílio
Vaticano declara que a pessoa humana tem direito à liberdade religiosa. Esta
liberdade consiste no seguinte: todos os homens devem estar livres de coação,
quer por parte dos indivíduos, quer dos grupos sociais ou qualquer autoridade
humana; e de tal modo que, em matéria religiosa, ninguém seja forçado a agir
contra a própria consciência, nem impedido de proceder segundo a mesma, em
privado e em público, só ou associado com outros, dentro dos devidos limites”
(Declaração Dignitatis Humanae n. 2).
Lembra a todos que tal liberdade é
constitutiva da dignidade humana e deve ser protegida e reconhecida como um
direito civil: “e o direito à liberdade religiosa se funda realmente na própria
dignidade da pessoa humana, como a palavra revelada de Deus e a própria razão a
dão a conhecer. Este direito da pessoa humana à liberdade religiosa na ordem
jurídica da sociedade deve ser de tal modo reconhecido que se torne um direito
civil” (Declaração Dignitatis Humanae n. 2).
Em tempos de diferentes ameaças a elementos
basilares da dignidade humana, especialmente à manifestação religiosa, é conveniente
retomar os princípios fundantes acima descritos. Eles têm uma dimensão
protetiva do direito à manifestação religiosa, mas também são referência na
ação contra aqueles que insistem em não respeitar tais preceitos.
Constitucionalmente o atentado à liberdade religiosa é crime. O não respeito à orientação da Igreja
Católica é indicativo de não comunhão eclesial, pois é não atacando quem
professa uma fé diferente que a pessoa solidifica a sua pertença.
A missão das Tradições Religiosas tem, além do
diálogo com o transcendente, a importante tarefa de responder aos grandes dramas
humanos, fato reconhecido na Declaração
Nostra Aetate, documento da Igreja Católica sobre o diálogo com as
religiões não cristãs. O texto parte do reconhecimento da importância da
religião na vida humana: “os homens esperam das diversas religiões resposta
para os enigmas da condição humana, os quais, hoje como ontem, profundamente
preocupam seus corações: que é o homem? Qual o sentido e a finalidade da vida?
Que é o pecado? Donde provém o sofrimento, e para que serve? Qual o caminho
para alcançar a felicidade verdadeira? Que é a morte, o juízo e a retribuição
depois da morte? Finalmente, que mistério último e inefável envolve a nossa
existência, do qual vimos e para onde vamos” (Declaração Conciliar Nostra
Aetate 1)
É uma tarefa significativa e que não se cumpre
apenas na perspectiva humana imanente. As religiões invocam o transcendente em
vista de responder a tantos questionamentos. Acolhem a força da religião como
significante da vida. Compreendemos então o papel importante da religião da
vida humana e na sociedade.
Cabe lembrar outro princípio que dá grande
autoridade moral às diferentes Tradições Religiosas, o compromisso em promover
o bem. Na promoção do bem as religiões vão demarcando seu espaço na sociedade,
não em disputa proselitista, mas para ajudar a humanidade a viver e ser
melhor. As diferentes formas de rezar e
vivenciarem seus ritos são riqueza para toda a sociedade.
Atitudes de perseguição, preconceito e
tentativa de desconstrução da crença alheia não se configuram modus operandi de um verdadeiro crente e
são tipificadas como crime. A sociedade não pode ser conivente com tais
atitudes. Não cabe apenas manifestar repúdio, mas denunciar tais práticas.
Somente a ação legal poderá coibir aqueles que pensam que a certeza da sua
pertença lhes dá o direito de vilipendiar a pertença do outro.
Assumamos um princípio do diálogo e respeito
religioso: eu creio, o outro crê, nós cremos, todavia, o ato de crer e rezar
pode ser diferente.
Pe. Ari Antonio dos Reis