Pesquisadores da Universidade de Passo Fundo (UPF) publicaram uma tradução inédita de um manuscrito do filósofo e historiador francês Michel Foucault. O texto foi publicado pelos professores Francisco Fianco e Francisco Carlos Santos Filho na edição de março de 2025 da Revista de Filosofia da Universidade Federal de Pelotas, Dissertatio, e apresenta uma tradução para o português de um manuscrito original de Foucault datado do início dos anos 1950 e trazido à luz em 2019 pela pesquisadora Elisabetta Basso na Revista Astérion da Escola Superior Normal de Lyon, na França.
No texto, de acordo com o professor Fianco, Foucault analisa como a base biológica do pensamento freudiano, influenciada pela teoria evolucionista, se transforma em um processo psíquico e sociocultural ao longo da história da psicanálise. “Mas quando se entende a interrelação do sujeito e da sociedade ao pensarmos mecanismos de saúde e doença psíquica, Foucault chama a atenção para o fato de que as patologias não são dados estritamente biológicos, e sim, reflexos das concepções de conformidade e inconformidade de cada época e sociedade, ou seja, ele mostra que saúde mental também é uma área de construção de um discurso disciplinar”, explica.
A proposta de traduzir o manuscrito surgiu a partir de uma demanda da esposa do professor Fianco, que faz parte de um projeto de pesquisa que tinha interesse em estudar o texto, mas a ausência de uma versão em português dificultava o processo. “Foi, portanto, uma tarefa de amor, Venus labori suavis, um dos doces trabalhos de Vênus”, brinca. O que inicialmente seria apenas uma tradução para uso interno teve bons resultados e os professores decidiram publicar. “Pensamos que seria interessante tornar essa tradução disponível para mais pessoas. Foi então que entramos em contato com a professora Elisabetta Basso e com a Revista Astérion – que permitiram a publicação – e depois com o professor Ernani Chaves, detentor dos direitos de tradução do Foucault e maior especialista no Brasil sobre esse autor, que também anuiu à publicação”, lembra. Todo o processo de tradução e encaminhamento dos trâmites durou cerca de um ano e meio.
Conforme Fianco, a dificuldade inicial de se traduzir uma obra como esta está na responsabilidade em transcrever um texto sobre áreas tão importantes como a psicanálise e a psiquiatria a partir de um autor tão destacado no pensamento do século XX como Foucault. Além disso, o pesquisador destaca a questão da língua, uma vez que uma tradução como essa não diz respeito apenas a transpor de um idioma para outro, mas “concordar arcabouços teóricos tão vastos como a filosofia e a psicanálise em duas línguas que ora se aproximam e ora se distanciam”, comenta Fianco, destacando a parceria fundamental com o professor Francisco Santos Filho, do Projeto Instituição Científica de Psicanálise e Humanidades, que pode revisar a adequação de termos e conceitos que fazem sentido dentro da tradução das obras de Freud para o português brasileiro.
A importância da tradução
Para o professor, a importância dessa tradução está em muitos aspectos. O primeiro deles, na contribuição de um texto inédito para os estudos sobre psicanálise e sobre Foucault. “Foucault era um intelectual tão genial que realmente não caberia tanta contribuição e publicação em uma vida só, por isso os textos inéditos, publicados postumamente, são imprescindíveis para nos permitirem, como leitores e pesquisadores, tomar contato com reflexões do autor que não foram plenamente desenvolvidas e publicadas em vida”, pontua. Já a tradução, na visão de Fianco, cumpre a tarefa de democratização do conhecimento, para que mais pessoas possam se beneficiar do que ele chama de esforço por saber que pesquisadores fazem todo dia. “Claro que não consideramos a nossa tradução a versão definitiva e mais perfeita desse texto para o português, ela é um esforço inicial que pode e deve ser complementado por pessoas mais aptas a isso no futuro, mas nós colocamos um tijolinho nesse castelo do saber, e é assim que se faz a cultura, de pequenas contribuições somadas e compartilhadas”, finaliza.