Grupo Planalto de comunicação

Por que boas práticas educativas não são reconhecidas como elementos potentes para melhoria da educação básica?

Nei Alberto Pies, professor, escritor e editor do site.

Entendemos que, nas diferentes redes de ensino, em especial, nas escolas públicas, deveriam ser implementadas iniciativas de socialização, discussão, sistematização e divulgação de boas práticas de aprendizagem, feitas de professores para professores, realizadas por grupos afins ou por áreas de conhecimento.

Definitivamente, escrever sobre educação ainda não é tarefa reconhecida, nem atribuição dos professores e professoras do Brasil. Mas, deveria ser, pois possibilitaria à estes/estas maior apropriação do seu trabalho pedagógico, passando da condição de tarefeiros e aplicadores de atividades a sujeitos que induzem e promovem aprendizagem de maneira coerente, reflexiva, consistente e programada.

No Brasil, nas últimas décadas, a mídia tradicional procura valorizar e mostrar experiências educativas que levam em conta um certo heroísmo, destemor, ousadia e intuição de professores, professoras e instituições. Não se valoriza, nem se incentiva, nas diferentes redes de ensino, a prática sistemática de reflexão e escrita dos professores sobre as suas práticas.

Ao contrário, buscam-se receituários prontos, propostas de atividades já projetadas ou elaboradas por “iluminados” que fazem parte de editoras ou, mais recentemente, de fundações ou institutos educacionais privados. Estes receituários não exigem muita reflexão ou planejamento, mas almejam o cumprimento de metas e objetivos alcançados, para preenchimento de formulários ou planilhas, estatísticas e números.

Nesta perspectiva, professores e professoras podem ser comparados a números e/ou máquinas que precisam comprovar suposta eficácia educacional: contam suas horas/aula, o número de estudantes por sala de aula, suas horas atividades, as burocracias e registros estéreis de planejamento, planilhas com anotações sobre aprendizagem/habilidades/competências advindos da BNCC.

Neste contexto, qual é o tempo destes professores e professoras estudarem na escola? Qual é o tempo para refletirem sobre alguma de suas atividades que geraram significativas aprendizagens ou apresentaram os maiores desafios de seu trabalho junto aos estudantes?

A prioridade do trabalho dos professores e professoras deve ser o pedagógico, deve ser a relação com os estudantes, deve ser a exploração dos seus potenciais criativos, o uso de novas tecnologias e ferramentas educacionais e a mediação da construção dos conhecimentos. As quinquilharias da excessiva burocracia na educação só enchem tabelas de relatórios e os olhos dos burocratas que pouco entendem de educação. (Leia mais: https://www.neipies.com/estao-matando-a-essencia-da-educacao/ )

Os poucos professores que se preocupam com a qualidade da educação, a partir de seu protagonismo e de suas atitudes reflexivas, quando levantam perguntas sobre possibilidades e tempo para reflexão e sistematização de práticas educativas, tem seus pleitos tratados como “caso particular”, ou como atividade não condizente com o fazer docente.

Definitivamente, são incompreendidos nas suas proposições, pois remam contra a maré dos tecnocratas que reservam ao professor uma única função: dar aulas. As reflexões e ponderações, neste ensaio, surgem de leituras, observações e vivências onde o planejar, o executar e o avaliar (a partir da sistematização de práticas pedagógicas) são uma prática recorrente.

Nestes processos, há ainda a socialização das aprendizagens e das escritas, como forma de trocas e enriquecimento mútuo dos envolvidos. No mesmo sentido, fazemos do site www.neipies.com um laboratório de aprendizagens onde mesclamos artigos, crônicas, textos com sugestões de atividades, como formas de enriquecer e fortalecer o trabalho docente.

Confira a experiência de uma Seção específica no site para proposição e sistematização de práticas educativas: https://www.neipies.com/reflexoes-e-atividades/

Entendemos que, nas diferentes redes de ensino, em especial, nas escolas públicas, deveriam ser implementadas iniciativas de socialização, discussão, sistematização e divulgação e boas práticas de aprendizagem, feitas de professores para professores, realizadas por grupos afins ou por áreas de conhecimento.

Estas iniciativas, por fim, deveriam estar disponíveis, publicadas em sites ou meios específicos, para o conjunto de professores e professoras daquela rede. Para além de valorizar as experiências individuais (de professores) ou coletivas (de escolas), a própria rede de ensino poderia ver nestas atividades uma espécie de retrato do trabalho docente, atestando-lhe qualidade e reconhecimento. Poderia, também, sugerir a multiplicação destas experiências em outras salas de aula, em outros lugares ou contextos escolares.

Esse trabalho pautado na reflexão sobre a prática docente é o melhor, se não o único meio de fazer a formação continuada coerente com as necessidades de cada contexto. Em “comunidade de investigação”, como fora bem fundamentado por pensadores como Elli Benincá, cuja concepção de formação fundamenta-se numa antropologia que considera o ser humano aberto a aprendizagem, ou no dizer de Paulo Freire “inacabado, inconcluso, vocacionado a ser mais”.

Esse fazer, longe de se tornar efetivo nas redes de ensino, requer espaço – tempo para encontro com os pares, registro das práticas, estudo das mesma e re-encaminhamento para a ação. Essa proposta não é bem acolhida por portadores de uma concepção tradicional de ensino, a qual centra-se na figura da autoridade. Em oposição a essa postura, aprendemos com Benincá que:
… os professores que possuem uma visão dialética do mundo percebem que o saber é um processo permanente de construção.

Nessa mesma perspectiva, o ser humano, por sua ação, torna-se transformador, não só dos contextos sociais como também da natureza. Como a transformação pode produzir algo de original e inédito, sua compreensão precisa de aprendizagem. Havendo transformação, supõe –se a existência de conflitos.

Tal processo requer sempre nova aprendizagem. Em decorrência, pode-se dizer que as transformações na natureza e na sociedade, embora não sejam produzidas especificamente, pela escola, penetram no seu interior, construindo um espaço privilegiado de aprendizagem. (BENINCÁ, 2010).

 ELLI BENINCÁ

“As publicações de Elli Benincá (1936-2020) eram uma forma de contribuição para que outras pessoas exercessem a tarefa pedagógica e teológico-pastoral na perspectiva que sempre sonhara: formação profunda e autonomia em ser e agir. A leitura dos textos leva a pessoa a interagir com o seu contexto de vida e trabalho em uma perspectiva crítica e aberta às transformações necessárias”. (Ari Antônio dos Reis)

Sistematização de práticas docentes e formação de professores
Sistematizar as práticas educativas, pensar sobre as intervenções cotidianas de uma sala de aula à luz das teorias e dos pensadores é parte de um desafio mais ousado de formação de professores e professoras.

Embora já sejam bastante estudadas, a sistematização e a escrita das práticas pedagógicas ainda não foram internalizadas entre os professores e professoras e nem entre os gestores educacionais como estratégia de mudança e ressignificação do “fazer docente”. Parece estar ainda restrita ao fazer pedagógico que embasa as experiências educativas sociais e populares. Ou a estudos do “pessoal da pedagogia”.

Em matéria da Revista Nova Escola, podemos reconhecer a importância de observar, registrar e refletir as práticas docentes e a parceria entre gestores escolares e professores. “Quando há parceria com colegas e gestores, o processo formativo se amplia, mas Tamara crê que o ato de escrever já contribui para seu aperfeiçoamento.

“O registro faz com que o momento não fique para trás e o aprendizado se consolide.” A escuta sensível e o olhar para o que as crianças dizem e pensam têm sido o caminho para melhorar sua prática e se fortalecer como professora”.

Leia mais aqui: https://novaescola.org.br/conteudo/1882/registros-que-fazem-o-professor-refletir-sobre-a-pratica

Afirmamos, por fim, a importância da formação na vida pessoal e profissional dos docentes. Cremos, sobretudo, que são necessárias mudanças de posturas e de práticas, para melhorarmos a qualidade de nossa intervenção pedagógica, conectada com o mundo e com as necessidades dos estudantes.

Não acreditamos que projetos, metodologias ou propostas pedagógicas unilaterais que são oferecidos como receitas de melhoria da qualidade da educação por universidades, institutos ou fundações promovam as mudanças didáticas e pedagógicas que precisamos implantar em nossas escolas. Todas as iniciativas devem estar acompanhadas do protagonismo, reflexão e sistematização das práticas dos professores envolvidos.

Os professores são protagonistas da educação, mas, na medida em que estes não tem tempo para escrever, discutir e promover suas práticas educativas, dão margem para outros profissionais que, fora da educação ou das salas de aulas, dizem o que precisamos fazer na escola. Podemos, e devemos, ousar mais!

Autor: Nei Alberto Pies, professor, escritor e editor do site. Também escreveu e publicou no site a matéria “O que aprender e o que ensinar nas escolas a partir de tragédias ambientais como a do RS”: https://www.neipies.com/o-que-aprender-e-ensinar-nas-escolas-a-partir-de-tragedias-ambientais-como-a-do-rs/

 

Facebook
Twitter
WhatsApp

Notícias Relacionadas

Categorias

Redes Sociais