Fã de carros antigos, Andrés Pesserl lembra de quando podia escolher entre várias cores para o carro que iria comprar. A partir do final dos anos 1990, ele teve que se conformar com uma nova realidade.
“Eu fui vítima da imposição da oferta. Ou seja, desde então só tive carros prata, preto e branco. Mas, pelo contrário, meus carros de décadas passadas foram amarelos, verdes, vermelhos e azuis”, diz Pesserl, presidente da Federação Brasileira de Veículos Antigos (FBVA).
Um levantamento com base em dados na Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) confirma a sensação de que as ruas estão menos coloridas: em junho de 2023, 80,4 milhões dos veículos no Brasil, ou 67% da frota total, são de uma dessas quatro cores:
– branca (21,2%);
– preta (18,9%);
– prata (16,8%);
– cinza (10,2%).
Além de carros, os dados da Senatran consideram também motos, caminhonetes, caminhões e outros tipos de veículos. Eram 63% em 2013, quando a secretaria passou a levantar as cores dos automóveis.
O ponto fora da curva descolorida é o carro vermelho, com 15,6% da frota.
Os dados indicam que o percentual de outras cores chamativas caiu nos últimos 30 anos. Cores como azul, verde, bege e amarela são residuais; juntas, somam 17% do total.
Entre os motivos, estão o fato de carros coloridos terem custo de produção maior e uma mudança do perfil de compra: o maior cliente das montadoras atualmente são as locadoras de veículos. Quem prefere carro colorido zero quilômetro tem que esperar meses nas concessionárias (leia mais abaixo).
Brasil sobre rodas menos colorido
Segundo os dados da Senatran, o Brasil está cada vez menos colorido. Branco, preto, prata e cinza são maioria em 95% dos 5.570 municípios brasileiros. Em 2013, eram maioria em 69% das cidades.
Um levantamento da Federação Brasileira de Veículos Antigos (FBVA) indica diversidade ainda maior de cores no passado.
Dos 13 mil veículos cadastrados com dado de cor disponível até 1993, a cor mais comum era azul, com 17%. Depois apareciam branco e vermelho, ambos com 16%, verde (11%), bege (10%), cinza (7%) e preto e amarelo, com 6%.
A cor predominante em cada cidade
A análise da cor de veículo predominante na frota de cada cidade mostra a força das tonalidades neutras.
O branco ocupa o topo do ranking, como cor predominante em 2.333 cidades, logo acima do vermelho, com a maior proporção da frota em 2.217 cidades, principalmente no Norte e Nordeste.
No entanto, o vermelho aparece em regiões com população muito mais baixa e, portanto, com menor quantidade de veículos.
Cidades mais extravagantes
Já as cores mais “extravagantes” estão espalhadas pelo país sem um padrão claro, exceto pelo fato de serem cidades pequenas, com até 15 mil habitantes.
No Nordeste, em Cacimbas (PB), por exemplo, mais da metade dos veículos é na cor vermelha (51%). Já o município com mais veículos azuis é Meridiano (SP), com 16% do total.
A cidade a com mais veículos verdes é Lauro Muller (13%), em Santa Catarina.
Já o município com mais veículos laranjas é… Laranjal do Jari (7%), no Amapá.
Por que mais neutro?
Diversidade custa mais caro
Um dos fatores mais citados é a influência da indústria, que tem sua produção facilitada quando existem poucas cores para serem escolhidas. “Facilita muito o trabalho deles, principalmente em carros populares, não ter que ficar trocando a cor da pintura na linha. Quanto menos diversidade, melhor é, garante mais velocidade e menos complicações”, explica Ricardo Vettorazzi, gerente de repintura automotiva da PPG.
Um dos fatores mais citados é a influência da indústria, que tem sua produção facilitada quando existem poucas cores para serem escolhidas. “Facilita muito o trabalho deles, principalmente em carros populares, não ter que ficar trocando a cor da pintura na linha. Quanto menos diversidade, melhor é, garante mais velocidade e menos complicações”, explica Ricardo Vettorazzi, gerente de repintura automotiva da PPG.
Indústria sob pressão
Analista do setor e ex-diretor de montadoras como Ford e Volkswagen, Flavio Padovan ressalta que as montadoras vivem cenário de retração após dois grandes baques nos últimos anos: a crise mundial de 2008 e a pandemia de covid-19. “Há 20 anos a gente tinha quatro montadoras aqui. Hoje são mais de 20, 30 empresas. Então o bolo é dividido com muito mais montadoras, fica ainda mais difícil de controlar a complexidade de produção”, diz o analista.
Analista do setor e ex-diretor de montadoras como Ford e Volkswagen, Flavio Padovan ressalta que as montadoras vivem cenário de retração após dois grandes baques nos últimos anos: a crise mundial de 2008 e a pandemia de covid-19. “Há 20 anos a gente tinha quatro montadoras aqui. Hoje são mais de 20, 30 empresas. Então o bolo é dividido com muito mais montadoras, fica ainda mais difícil de controlar a complexidade de produção”, diz o analista.
Cultura de revenda
Em comum, especialistas citam concessionárias e clientes também como “culpados”, com uma cultura que evita cores extravagantes por medo de não encontrar compradores em uma possível venda do veículo.
Em comum, especialistas citam concessionárias e clientes também como “culpados”, com uma cultura que evita cores extravagantes por medo de não encontrar compradores em uma possível venda do veículo.
Mudança do mercado
Outro fator exposto é a mudança no mercado automotivo, que deve se acentuar ainda mais no futuro: vender menos para a pessoa física e mais para empresas, principalmente frotistas. “Quando a gente fala de locadora, o foco dela é comprar veículos mais neutros para não ter aquele problema de ‘ah, não quero o carro desta cor’”, explica Ricardo Roa, sócio e líder do segmento automotivo da KPMG Brasil.
Outro fator exposto é a mudança no mercado automotivo, que deve se acentuar ainda mais no futuro: vender menos para a pessoa física e mais para empresas, principalmente frotistas. “Quando a gente fala de locadora, o foco dela é comprar veículos mais neutros para não ter aquele problema de ‘ah, não quero o carro desta cor’”, explica Ricardo Roa, sócio e líder do segmento automotivo da KPMG Brasil.
Preferência dos clientes
Outros entrevistados ressaltam como a preferência dos consumidores teria mudado a partir dos anos 2.000 para tons neutros, principalmente o branco, cor que o diretor de Tintas Automotivas da Basf, Marcos Fernandes opina ter sido associada a conceitos tecnológicos emergentes na época, como iPhone. “Foi um divisor de águas [carro branco], justamente pela conexão dele com a tecnologia. As pessoas começaram a olhar e a indústria começou a desenvolver carros brancos, que ficaram bonitos”, afirma.
Outros entrevistados ressaltam como a preferência dos consumidores teria mudado a partir dos anos 2.000 para tons neutros, principalmente o branco, cor que o diretor de Tintas Automotivas da Basf, Marcos Fernandes opina ter sido associada a conceitos tecnológicos emergentes na época, como iPhone. “Foi um divisor de águas [carro branco], justamente pela conexão dele com a tecnologia. As pessoas começaram a olhar e a indústria começou a desenvolver carros brancos, que ficaram bonitos”, afirma.
Burocracia para colorir
Com o cenário atual já estabelecido de um mercado lotado de cores neutras, um consumidor que queira um carro colorido pode ter que esperar a entrega da concessionária por meses. No caso de carros revendidos, especialistas também citam barreiras financeiras, caso a pessoa queira fazer a repintura do carro de cor neutra, e burocráticas, para atualizar o documento do carro com a cor nova.
Com o cenário atual já estabelecido de um mercado lotado de cores neutras, um consumidor que queira um carro colorido pode ter que esperar a entrega da concessionária por meses. No caso de carros revendidos, especialistas também citam barreiras financeiras, caso a pessoa queira fazer a repintura do carro de cor neutra, e burocráticas, para atualizar o documento do carro com a cor nova.
Futuro pode ser mais colorido
Nesse contexto, a Fiat anunciou em junho deste ano que irá parar de produzir veículos cinzas e pratas —mas somente na Europa, por enquanto. A decisão da montadora tem como justificativa “destacar a importância das cores na vida, incorporando o jeito italiano de viver e reafirmando o novo valor da marca Dolce Vita” (doce vida, em italiano).
Roa pondera que não dá para ter certeza se essa mudança chegará ao Brasil e diz não acreditar que o cenário de concentração de cores deve mudar a curto ou a médio prazo. “O que vai mudar é, talvez, os veículos mais futuristas, mas não a médio prazo, mas a longo prazo”, afirma.
Outros entrevistados citam o crescimento do azul e vermelho nos últimos anos e afirmam que no futuro a tendência é que as ruas fiquem mais coloridas, mas dificilmente ao nível de décadas passadas.
“Pensando em tendência mais para a frente, a gente vê os tons que remetem ao bege, alguma coisa mais cobreada, marrom, que levam mais para o lado da natureza”, afirma o diretor da Basf Marcos Fernandes.
Fonte: G1