No dia 14 de setembro a Igreja celebra a Festa da Exaltação da Santa Cruz (Números 21, 4-9, Salmo 77, Filipenses 2,6-11 e João 3,13-17) e no dia seguinte a memória de Nossa Senhora das Dores. Estas duas celebrações litúrgicas podem ser sintetizadas na tradicional cena da crucificação que representa a Virgem Maria aos pés da Cruz, junto com o evangelista João, o único que permaneceu junto a Jesus agonizante. Mas tem sentido exaltar a Cruz? Este escandaloso instrumento de tortura que executou tantas pessoas? Desde o início do cristianismo São Paulo conscientemente afirmava: “nós pregamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os gentios” (1 Cor 1,23).
É possível a cruz mudar de sentido e finalidade? Os históricos e literatos romanos falam dela como “suplício mais cruel e horrendo”; “pena extrema e máxima reservada aos escravos”; a “cruz como sumo mal”. Os cristãos anunciam que a cruz pode mudar se sentido e finalidade, pois aquilo que a maldade humana produz pode ser transformado profundamente pelo amor de Deus. A cruz foi transformada em sinal de bênção, de símbolo de morte em símbolo por excelência de amor que vence o ódio e a violência e gera a vida imortal. Quem mudou radicalmente o sentido da cruz foi Jesus Crucificado. Esta cruz os cristãos exaltam, pois nela Jesus se ofereceu em sacrifício, fruto e testemunho do seu imenso amor. Sobre a cruz ele derramou todo o seu sangue para libertar a humanidade da escravidão do pecado e da morte.
No prefácio da missa da exaltação da Santa Cruz rezamos: “Pusestes no lenho da cruz a salvação do gênero humano, para que, aonde a morte teve origem, aí a vida ressurgisse; e o que vencera na árvore do paraíso, na árvore da cruz fosse vencido, por Cristo, Senhor nosso”. No diálogo de Jesus com Nicodemos, no início do seu ministério, ele anuncia como aconteceria a transfiguração da cruz em sinal de salvação: “É necessário que o Filho do Homem seja levantado, para que todos os que nele crerem tenham a vida eterna. […] De fato, Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele”.
A Igreja recebeu a missão de mostrar a todos este rosto de um Deus que ama, manifestado em Jesus Cristo. Voltemos o nosso olhar a Cristo. É ele que nos fará livres para amar como Ele nos amou e construir um mundo reconciliado. A força de Deus que se manifesta na Cruz de Cristo é a força da salvação. Ele distribui a energia de vida no fiel. A cruz nos torna capaz de conhecer a Deus.
A partir desta radical mudança provocada por Jesus Cristo, a cruz começou a fazer parte da vida cristã. Na Igreja Católica ela se faz presente em todos os ambientes e celebrações. Cada oração e celebração litúrgica é iniciada com o Sinal da Cruz. É um gesto fundamental da prece do católico. Fazer o Sinal da Cruz é uma proclamação de fé no Mistério Pascal. Significa pronunciar um sim visível e público para aquele que morreu por nós e que ressuscitou.
No sacramento da Eucaristia coloca-se uma cruz junto ao altar pois existe um vínculo indissolúvel entre a Celebração da Eucaristia e o Mistério da Cruz. Com efeito, a cada Santa Missa é atualizada o sacrifício salvador de Jesus Cristo. Foi este cerimonial sacramental deixado explicitamente por Jesus Cristo antes de padecer o suplício da cruz. Cada celebração eucarística é memorial de todo Mistério Pascal: paixão, morte, descida à mansão dos mortos, ressurreição e ascensão ao céu. A cruz é a manifestação deste ato de Amor infinito com o qual Jesus salvou o mundo.
“Não é a cruz e não são os sofrimentos padecidos na paixão e sobre a cruz que tornaram Jesus grande, mas é exatamente o contrário: é a vida de Jesus, toda a vida de Jesus atravessada pelo amor, gasta no amar, que deu sentido também à abominação que era, que é e que sempre permanecerá a cruz. […] Não a cruz, mas aquele que foi suspenso é verdadeiramente importante e decisivo” (Luciano Manicardi).
Dom Rodolfo Luís Weber – Arcebispo de Passo Fundo