Grupo Planalto de comunicação

Sobre a escravidão humana

Foi
para a liberdade que Cristo nos libertou (Gal 5,1)

 

No
dia 13 de maio é assinalado no calendário nacional a memória da assinatura da
Lei Áurea que decretou o fim da escravidão no Brasil. Sabe-se que por
diferentes fatores o movimento negro não comemora esta data como fato
significativo. Considera-se o dia 20 de novembro, data da morte de Zumbi dos
Palmares, como fato marcante. Entretanto, o dia 13 de maio nos convida a
refletirmos os diferentes processos de escravização que marcaram a trajetória
da humanidade. Usa-se o termo no plural porque a escravização de um ser humano
sobre o outro assumiu nuances diferentes ao longo da história e não é possível
considerar que tenham sido processos iguais. Têm semelhanças, mas não são
iguais.

Uma
primeira trajetória de servidão marca a antiguidade. Tinha um forte acento
cultural e era gerada, por exemplo, por dívidas, conflitos tribais, disputas
territoriais, entre outros. Era um processo escravagista de convivência. O
senhor convivia com o servo ou escravo e não havia maiores consequências. Em
alguns casos, sobretudo nos povos africanos, o servo era incorporado ao próprio
grupo que o fizera escravo. Certamente havia limitação da liberdade da pessoa
feita escrava. O servo não tinha todos os direitos. Contudo, a repercussão
social era menor, se comparada aos processos posteriores que trataremos a
seguir.

A
segunda etapa da trajetória aconteceu no advento da modernidade, ligada ao
projeto colonialista europeu. Alguns autores defendem o argumento de que esse
modelo teria começado na Grécia, portanto, anterior ao período colonialista.
Apesar da distância temporal o fator de união era a utilização da mão de obra
escrava em vista do lucro e, consequentemente em larga escala. Não era um
processo de escravidão de convivência, mas sim uma escravidão de exploração em
vista do lucro obtido com a exploração do trabalho do outro. A ocupação do
território americano a partir do século XV potencializou este modelo de escravidão.
A necessidade dos países colonizadores ocuparem os territórios dominados e
fazerem deles polos de produção de açúcar extraído da cana, seguida da
mineração do ouro e, finalmente da cafeicultura provocou a procura de mão de
obra escrava, inicialmente com os povos indígenas e posteriormente com os
africanos.

Foi
um projeto tão bem incorporado à economia colonial e imperial que durou cerca
de três séculos visto que a economia brasileira estava assentada no projeto
escravagista. Os colonizadores ocuparam a África e de lá traziam a mão de obra.
Havia muitos óbitos durante a travessia, mas os lucros compensavam a empreitada.
Os que sobreviviam eram leiloados e vendidos aos produtores, segundo tabela de
preço local. Uma vez adquiridos eram incorporados ao trabalho nas plantações de
cana e na fabricação de açúcar. Desse processo moderno de escravidão herdamos o
racismo e o preconceito contra os negros, tragicamente, “naturalizados” no
Brasil para justificar a exploração de um ser humano sobre outro.

A
terceira etapa ou forma de escravidão é observada em nossos dias, tipificada
como escravidão contemporânea. Não se estrutura como o processo do início da
modernidade. O modelo é conceituado como trabalho análogo à escravidão.
Dificilmente encontrar-se-á uma pessoa acorrentada ou marcada a ferro, ou então
sofrendo sob o açoite de chicote. Todavia tem uma série de direitos cerceados.
As práticas que tipificam a escravidão na atualidade são definidas pelo Código
Penal Brasileiro, artigo 149, como segue:
reduzir alguém à condição análoga à de
escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou à jornada exaustiva, quer
sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por
qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou
preposto”.

Chamou atenção nacional, no mês de março,
as denúncias de algumas situações no Rio Grande do Sul e em diferentes setores
da economia. Os casos denunciados apresentavam, se não todas, parte das
características acima citadas. Por mais que pareça fato anormal, infelizmente a
situação não é novidade para quem acompanha a realidade brasileira. São vários
casos de pessoas submetidas a condições de trabalho análogas à escravidão em
diferentes setores da economia.

 Temos
uma legislação sólida que dá garantias á empregados e empregadores de
construírem relações laborais justas. Entretanto urge trabalhar a consciência
social sobre a importância das relações do trabalho justas e fortalecedoras da
dignidade. É um passo a ser dado e compreende a noção de que a dignidade humana
está no centro de qualquer processo econômico. São Paulo na Carta aos Gálatas
assegura o fundamento evangélico das relações humanas. A liberdade alcançada
por Jesus não compreende mais nenhuma forma de escravidão pois, segundo ele,
foi para a liberdade que Cristo nos libertou e ninguém deve se prender ao jugo
da escravidão (cf. Gal 5,1). Também escreve ao seu amigo Filêmom pedindo que
acolha um amigo seu fugido da escravidão. Deveria recebe-lo não mais como um
escravo, mas como um irmão amado, segundo a carne de Jesus Cristo (cf. Fm
1,16). O Papa Francisco escreveu uma Carta Encíclica sobre a fraternidade e
amizade social. O título é sugestivo: somos todos irmãos – Fratelli Tutti.
Irmão não explora e não avilta a dignidade do seu semelhante. O amor fraterno
deve substituir a tentação da exploração.

O trabalho é uma relação de troca. E a
troca deve ser mediada pela justiça e equidade e compromisso de vida fraterna.
Não podemos admitir nenhuma forma de escravidão humana!

 

Pe. Ari Antonio dos Reis

Facebook
Twitter
WhatsApp