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A vida, essa coisa leve que a gente insiste em pesar A leveza da vida mora nos detalhes que a gente quase nunca vê.

A vida, essa coisa leve que a gente insiste em pesar

Hoje eu parei. E isso já foi raro.

Parei pra ver o mundo do sofá da sala, na manhã deste domingo, entre o som abafado da chuva batendo no telhado e o miado insistente do gato na janela. Parei com a xícara de café na mão e o pensamento no ar. Fazia tempo que eu não ouvia o próprio pensamento sem culpa, sem cronômetro.

E ele, sabiamente, me disse — sem cerimônia:

— A vida podia ser mais leve, né?

Fiquei ali. Ruminando a frase como quem segura uma folha solta num vento forte. Porque foi isso que senti — como se, por um instante, eu tivesse pegado no ar uma daquelas verdades esquecidas, óbvias, mas que a gente sempre empurra pra depois.

A vida podia ser mais leve. Ou talvez ela seja. Nós é que pesamos tudo.

A gente pesa a agenda, pesa o tempo, pesa a respiração. Pesa o amor. Tudo vira um fardo: a casa, o corpo, o trabalho, o outro. A gente até pesa a felicidade, como se ela só valesse se fosse imensa. Como se só tivesse valor se viesse acompanhada de fogos de artifício e reconhecimento.

Mas tem dias em que a leveza aparece sem bater na porta.

Hoje ela veio em um raio pingo de chuva batendo na janela da sala. Veio na forma de um olhar inocente da minha filha apontando para um pacote de biscoito como se fosse um tesouro. Veio quando um casal se beijou na esquina, sem se importar com quem estava olhando. E ali, naquele gesto mínimo, havia tudo: pausa, afeto, pressa esquecida.

Pensei: a leveza está em todo lugar. Mas a gente não vê.

A gente vive esperando as férias, o carro novo, o relacionamento ideal. Vive girando numa ciranda de boletos, metas e obrigações, como se fosse proibido parar. Como se fosse crime suspirar.

Outro dia, um amigo me disse:

— Cara, tô trabalhando tanto que nem lembro a última vez que brinquei com meus filhos.

Fiquei em silêncio. Mas minha vontade era de gritar: brinca hoje, por favor. Brinca agora!!! Porque daqui a pouco, eles não vão mais querer brincar com você.

A vida escorre. E a gente só nota quando já é tarde.

Lembro da minha avó. Ela dizia:

— Não adianta trabalhar a vida inteira se, no final, você não lembra do cheiro do bolo da tua mãe.

Na época, eu não entendi. Hoje, faz todo sentido.

A leveza está naquele café que esfria enquanto você vê o sol nascer. Na música que toca sem querer e te faz sorrir sozinho. No cheiro de roupa limpa que te faz lembrar de casa. Na mensagem boba no celular de alguém que só quer saber se você almoçou. No cachorro que abana o rabo só porque você chegou.

Na oração feita baixinho antes de dormir.
No beijo sem pressa. Na risada sem motivo.

Tem gente que vai passar a vida inteira correndo atrás de algo grande — e vai morrer sem nunca ter percebido que a melhor parte dela coube inteira no abraço dos filhos.

Talvez a vida não precise ser leve. Talvez ela seja.
A gente é que desaprendeu a relaxar. A viver. A sentir.

E hoje, enquanto o mundo gritava lá fora e os boletos continuavam na gaveta, eu ouvi minha filha me chamar da sala:

— Pai, olha essa nuvem! Parece um coelho pulando!

Olhei. Parecia só uma mancha branca no céu azul.
Mas eu juro: por um instante, vi o coelho.

E naquele instante, tudo ficou leve.

Às vezes, é só isso: seguir o coelho branco, sem pensar tanto.
Porque toda aventura — toda vida bem vivida — sempre começa com a leveza de quem topa seguir o que parece pequeno.

E descobre, só depois, que ali morava tudo.

 

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