Com um passivo de R$ 72,8 bilhões, conforme dados da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), os produtores rurais gaúchos enfrentam uma complexa crise financeira. A combinação de instabilidade climática, volatilidade nos preços das commodities, custos elevados de insumos e juros altos resultou em restrições de crédito e severas dificuldades de liquidez para muitos agricultores.
Neste cenário desafiador, a recuperação judicial (RJ) emerge como um instrumento estratégico para a reestruturação de dívidas. A advogada Laura Giuliani Schmitt, especialista em Reestruturação e Falências do escritório SCA – Scalzilli Althaus, explica que o mecanismo oferece uma chance de reorganização. “A recuperação judicial possibilita reorganizar dívidas, negociar coletivamente com credores e manter a atividade”, destaca.
De acordo com a especialista, o processo suspende ações de cobrança por um período, permitindo que o produtor elabore um plano de pagamento baseado em sua capacidade financeira real. Esse plano pode incluir prazos estendidos, juros reduzidos e condições customizadas, oferecendo proteção legal para a recuperação do negócio.
Limitações e desafios
A medida, no entanto, não é uma solução universal. A legislação impede a renegociação de certos tipos de dívida no âmbito da RJ. Ficam de fora os atos cooperativos, as Cédulas de Produto Rural (CPRs) físicas quando houve antecipação de preço ou troca por insumos, e o crédito rural institucionalizado que já foi renegociado.
“Essas limitações, justificadas também por interesses setoriais, criam um cenário em que o produtor se vê obrigado a negociar em múltiplas frentes, reduzindo a chance de sucesso da medida”, pondera Schmitt. Isso fragmenta a negociação e exige que o agricultor busque acordos paralelos, além do processo formal.
Quando considerar a recuperação judicial
A decisão de entrar com uma RJ deve ser precedida de uma análise minuciosa. A advogada orienta que é crucial conhecer a classificação dos créditos e credores, avaliar ameaças ao patrimônio e à continuidade das operações, e estudar a viabilidade de um plano de pagamento. “Identificar sinais de crise com antecedência possibilita estruturar uma estratégia com melhores perspectivas”, recomenda.
Renegociação isolada versus recuperação judicial
Enquanto negociar dívidas individualmente com cada credor é um caminho menos oneroso para a imagem e evita custos processuais, essa alternativa depende totalmente da boa vontade e aceitação da outra parte. A recuperação judicial, por outro lado, oferece segurança jurídica, previsibilidade e condições de pagamento estruturadas, desde que conduzida com planejamento e suporte especializado.
Schmitt conclui que a escolha pelo caminho ideal exige soluções flexíveis, adaptadas aos ciclos produtivos e aos riscos inerentes ao agronegócio. “É fundamental análises criteriosas, caso a caso, para não comprometer a confiança da cadeia produtiva”, finaliza a especialista, destacando a necessidade de um olhar personalizado para cada situação.