Tive a oportunidade de acompanhar apresentação de um artigo que tinha como tema a cultura do encontro. O texto tratava de como os negros escravizados, através de diversos expedientes, foram ao longo dos anos promovendo a cultura do encontro como forma de enfrentar o flagelo da escravidão, assim como o racismo a ele correlato. Não desconheçamos a força histórica desse processo, pois permitiu que os negros resistissem, continuassem vivendo e assumissem pautas sociais e políticas hoje extremamente necessárias para viver com dignidade.
Tomo a liberdade de ampliar a dimensão da cultura de encontro para as relações estabelecidas em sociedade, hoje marcadas por sinais visíveis de desencontro. E o desencontro é prejudicial ao ser humano tanto no aspecto individual como coletivo. Os processos de desencontro não permitem que o ser humano se auto construa e contribua para a formação de uma sociedade fraterna, justa e solidária. O texto de Gênesis, ao apresentar a história de Caim e Abel provoca a reflexão sobre o quanto a cultura do desencontro pode ser maléfica para o ser humano. No caso chegou ao ponto de um atentar contra a vida do outro, justamente a vida, o dom mais precioso, dádiva divina (cf. Gn 4,1-16).
É possível guiar-se através do ideal da cultura do encontro. As possibilidades são muitas. São pontes que levam ao encontro do outro em vista do bem dele e do bem de cada pessoa.
Uma primeira ponte é a palavra. Deus deu ao ser humano a capacidade de comunicar-se pela palavra. E a palavra tem um grande potencial de aproximar as pessoas. Mas estejamos atentos de que a palavra pode, ao invés de ser ponte, transformar-se em muro ou abismo. Depende de como usamos a palavra. Cabe atenção especial àqueles que têm na palavra o fundamento do exercício profissional. É palavra tornada pública, por isso repleta de responsabilidade social. Pela palavra é possível potencializar a cultura do encontro. E exercitemos o que sugere a canção: dai-me a palavra certa, na hora certa e do jeito certo; e para pessoa certa.
Um segundo movimento potencializador da cultura do encontro é o gesto. Assim como a palavra o gesto pode construir muros ou pontes com o outro. Optemos pela construção de pontes. No gesto manifestamos o que não conseguimos, não podemos e não queremos manifestar pela palavra. O ser humano é pródigo em fazer gestos, alguns simples outros densos. Imaginemos a força de um abraço, o potencial de um afago, de um carinho. A pandemia impediu-nos de fazer gestos em nossos entes queridos. Isto fez muita falta. Tornou ainda mais árida aquela travessia. Evitemos os gestos de afastamento ou de agressão. Aprofundemos os gestos de aproximação. Não necessários à cultura do encontro.
Outra dimensão que favorece a cultura do encontro é a busca do bem comum. O ser humano também se move e articula através da luta por causas significativas. Tal processo permite que supere uma conduta de vida centrada no individualismo. A busca do bem comum é uma causa significativa e favorece a cultura do encontro. Por bem comum compreende-se, segundo a Doutrina Social da Igreja, “o conjunto daquelas condições da vida social que permitem aos grupos e a cada um dos seus membros atingirem de maneira mais completa e desembaraçadamente a própria perfeição” (CDSI n. 164) Traduz-se em uma vida digna, justa e feliz para toda a humanidade. Buscar o bem comum enquanto processo e enquanto finalidade favorece a cultura do encontro porque vê-se caminhando lado a lado pessoas com os mesmos objetivos.
É muito bom encontrar-se com pessoas envolvidas nas boas causas, que buscam o bem. E temos boas referências de pessoas que trabalharam e trabalham pela cultura do encontro. Sem dúvida a grande referência é Jesus Cristo e sua missão, assumida no seio da humanidade como desígnio divino. A prática de Jesus foi marcada pelo encontro com as pessoas sem reservas ou discriminação. Tal encontro visava um bem maior, a salvação de todos. Foi explicitando isso na sua prática diária como costumamos rezar quando celebramos a Sagrada Eucaristia: “Ele sempre se mostrou cheio de misericórdia pelos pequenos e pobres, pelos doentes e pecadores, colocando-se ao lado dos perseguidos e marginalizados. Com a vida e a palavra anunciou ao mundo que sois Pai e cuidais de todos como filhos e filhas (MR p. 860). Ele também inspira seus seguidores as mesmas atitudes. É o que também pedimos a partir da nossa fé: “dai-nos olhos para ver as necessidades e os sofrimentos dos nossos irmãos e irmãs; inspirai-nos palavras e ações para confortar os desanimados e oprimidos; fazei que, a exemplo de Cristo, e seguindo o seu mandamento, nos empenhemos lealmente no serviço a eles. Vossa Igreja seja testemunha viva da verdade e da liberdade, da justiça e da paz, para que toda a humanidade se abra à esperança de um mundo novo (MR 864).
Uma outra referência contemporânea é o Papa Francisco. Nos vários documentos publicados tem insistido no caminho de encontro com o outro. Entre eles a Exortação Fratelli Tutti, cujo o título é de uma profundidade ímpar: somos todos irmãos. Escreve o Papa: “desejo ardentemente que, neste tempo que nos cabe viver, reconhecendo a dignidade de cada pessoa humana, possamos fazer renascer, entre todos, um anseio mundial de fraternidade” (FT 8). Convida sonhar com uma nova humanidade marcada pela vida fraterna, pelo sentido do comunitário, porque sozinha a pessoa corre o risco de ter miragens, vendo aquilo que não existe; é juntos que se constroem os sonhos. Sonhemos como uma única humanidade, como caminhantes da mesma carne humana, como filhos desta mesma terra que nos alberga a todos, cada qual com a riqueza da sua fé ou das suas convicções, cada qual com a própria voz, mas todos irmãos (cf. FT n. 8).
Como irmãos somos vocacionados a trilharmos um caminho de vida marcado pela cultura do encontro como via para se construir a civilização do amor.
Pe. Ari Antônio dos Reis