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A dignidade humana é inviolável

Dois acontecimentos têm chamado atenção nos últimos dias. O primeiro tem um aspecto propositivo. Versa sobre o tema da Campanha da Fraternidade desse ano proposto pela Igreja Católica, a saber, fraternidade e fome. A proposição foi apresentada tendo presente o percentual de 33 milhões de brasileiros vivendo o flagelo da fome e da insegurança alimentar. Esta multidão de famintos é um clamor que sobe aos céus e exige iniciativas para o seu enfrentamento e superação.
O segundo fato é preocupante pela negatividade e também pela explicitação de uma modalidade de relação trabalhista ocorrida em nosso Estado totalmente fora dos parâmetros legais, agravada por algumas manifestações preconceituosas em relação aos pobres e nordestinos, como a do vereador de Caxias do Sul. Cerca de duzentos trabalhadores denunciaram relações laborais análogas à escravidão em vinícolas da Serra Gaúcha. A interpretação não é subjetiva, pois o Ministério Público do Trabalho tipifica como trabalho escravo relações caracterizadas por apreensão de documentos, impedimento do direito de ir e vir, jornada exaustiva, emprego e violência, condições insalubres de moradia, alimentação inadequada, entre outros. A denúncia feita permitiu que os auditores fiscais comprovassem a existência de trabalho análogo à escravidão.
Estes fatos, se colocados diante do princípio da inviolabilidade da dignidade humana, trazem preocupações. A fome e a existência de exercício laboral em condições tipificadas como trabalho escravo têm interferência direta na dignidade do ser humano. Também lembram que este princípio ainda não está consolidado na prática cotidiana, como exercício que perpassa as relações sociais.
Para os cristãos a dignidade humana tem seu fundamento na Sagrada Escritura. O texto de Gênesis afirma que o ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1,27) e isto lhe garante um condição especial na obra criada pela bondade divina. Jesus Cristo se colocou no lugar de cada pessoa sofrida. O bem ou o mal feito ao semelhante é feito à pessoa de Jesus (cf. Mt 25,33-46) e se torna critério de salvação. Na carta à comunidade dos Gálatas o Apóstolo Paulo lembra que Cristo libertou de uma vez por todas o ser humano. Ele afirma com contundência: “é para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5,1).
A Doutrina Social da Igreja, pensamento eclesial construído ao longo dos últimos séculos, considera a dignidade humana inviolável. Dedica um capítulo inteiro para tratar do tema. O texto afirma alguns princípios significativos, os quais enumero: 1- uma sociedade justa só se realiza no respeito pela dignidade transcendente do ser humano; 2- o ser humano é o fim último da sociedade que a ele é ordenada; 3- o progresso social deve voltar-se para o bem das pessoas e não o contrário; 4-  necessidade de orientar todos os programas sociais, científicos e culturais pela consciência do primado do ser humano; 5- a pessoa humana não poder ser instrumentalizada para fins alheios ao seu próprio progresso; 6- necessidade das autoridades públicas civis vigiar com atenção as relações sociais em vista da garantia da praticabilidade dos direitos humanos (CDSI, 133).
A Constituição da República, promulgada em 1988, afirma no artigo 6º: são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Em parágrafo único legisla: todo brasileiro em situação de vulnerabilidade social terá direito a uma renda básica familiar, garantida pelo poder público em programa permanente de transferência de renda, cujas normas e requisitos de acesso serão determinados em lei, observada a legislação fiscal e orçamentária.  Demanda deste preceito constitucional o compromisso da nação de não se omitir diante das situações que interferem na dignidade humana e encontrar meios eficazes para sua superação.
Diante da Tradição cristã, referendada na Sagrada Escritura e na Doutrina Social da Igreja, compreende-se como inconcebível que se compactue ou seja indiferente as duas situações referidas neste texto. Elas atentam explicitamente contra a dignidade humana. A percepção de tais situações exige ações organizadas envolvendo os diferentes entes. Compreendamos que onde está um irmão faminto nós estamos também ali. O sofrimento de um semelhante devido ao não respeito da sua dignidade de trabalhador deve ser o sofrimento de toda a sociedade. Não podemos nos omitir diante de tais situações porque a dignidade humana é inviolável.
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