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Dai-lhes vós mesmos de comer

É tradição na Igreja do Brasil, por ocasião do período quaresmal, desencadear um esforço concentrado de evangelização denominado Campanha da Fraternidade. Esta rica trajetória de fé já dura sessenta anos. Desde a primeira campanha, ocorrida em 1962, até os dias atuais perpassa a preocupação de, no tempo quaresmal, ajudar os cristãos a viverem com profundidade este tempo que é sagrado, segundo o Papa Francisco. Conforme o Texto Base proposto para esse ano a Campanha da Fraternidade é o modo brasileiro de celebrar a quaresma. Não a esgota, mas mostra uma situação específica a ser refletida e rezada segundo o fundamento da fé e o propósito da conversão.  A cada ano é proposto um tema pertinente à vida cristã e à sociedade pela sua gravidade quanto interferente na existência de muitas pessoas.
Aquilo que é preocupação humana deve ser também preocupação da Igreja como afirma a Declaração Conciliar Gaudium et Spes: “as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração. Porque a sua comunidade é formada por homens, que, reunidos em Cristo, são guiados pelo Espírito Santo na sua peregrinação em demanda do reino do Pai, e receberam a mensagem da salvação para a comunicar a todos. Por este motivo, a Igreja sente-se real e intimamente ligada ao gênero humano e à sua história” (GS 1).
A fome de muitas pessoas é preocupação do mundo e também no Brasil. Segundo os últimos dados cerca de 33 milhões de pessoas vivem uma realidade de fome. Compreendamos por fome não aquela sensação passageira que nos acorre eventualmente e que temos certeza que logo será sanada. A fome que preocupa a Igreja e os cidadãos conscientes diz respeito à ausência de comida momentânea e também futura. Os organismos internacionais definem como realidade de insegurança alimentar. Em artigo publicado no ano passado fazíamos esta referência a qual retomamos. Dizia o seguinte: por insegurança alimentar compreende-se a não possibilidade de alimentar-se de forma adequada por certo período. Na forma grave traduz-se em fazer apenas uma refeição ao dia ou ficar o período inteiro sem comer. Pode acontecer que a família vá dormir sem se alimentar e não tenha certeza se no outro dia vai conseguir comer.  O não ter o que comer fere a dignidade humana. Significa também a não experiência da plenitude dos direitos porque se alimentar de forma adequada é um direito humano.
Tal realidade é motivo de preocupação e conclama a um agir articulado em vista da superação. Para nós cristãos o fundamento desse agir é primeiramente o Evangelho de Jesus Cristo. O texto de Mateus 14,13-21 apresenta-nos o diálogo e a ação de Jesus. Vendo as pessoas sem terem o que comer Jesus provoca os discípulos. Como quisessem tirar o corpo fora ele responde dai-lhes vós mesmos de comer (Mt 14,16). Então provoca os passos da grande partilha descritos no texto. O Filho de Deus deixa-nos como iluminação esta iniciativa diante da realidade de fome de 33 milhões de brasileiros. Compreendamos que a iniciativa não é ideológica, partidária ou interesseira. É fundamentalmente uma resposta ao Evangelho.
Assumamos, diante a realidade de fome, a inquietude que Jesus partilhou com os discípulos e que essa inquietude nos provoque a um agir comprometido, compreendendo que é urgente matar a fome do irmão e da irmã famintos; encontrar meios para que não sintam mais fome; entender que é necessário enfrentar com coragem, decisão e de forma articulada uma estrutura social que gera pessoas famintas. São exigências a serem assumidas em nível pessoal, comunitário e social. Pessoal, pois para os cristãos a fome do semelhante diz respeito a todo o gênero humano. Em nível comunitário-eclesial, pois a comunidade cristã deve seguir os ensinamentos de Jesus Cristo, como afirma o texto de Mateus (Mt 14, 13-21), explicitado também no texto dos Atos dos Apóstolos que afirma que não havia necessitados entre os membros da comunidade cristã (At 4,34). É compromisso da sociedade civil porque a dignidade humana, aviltada pela fome, é problema social e, consequentemente, é responsabilidade da sociedade enfrentar tal mal.  Não podemos deixar de exigir o compromisso dos poderes públicos. A organização de políticas públicas articuladas em vista da superação da fome é de fundamental importância nesse processo.
Dizia Hebert de Souza (Betinho): “quem tem fome tem pressa”. Diante dessa fome Jesus Cristo afirma: “dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16).
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