Repercutimos, nesta coluna,
crônica do professor-filósofo-escritor-poeta
Aleixo da Rosa, já publicada no site www.neipies.com.
Aleixo é também acadêmico da APLetras. Recomendamos leitura!
***
“A todo instante coisas incríveis acontecem. Para percebê-las,
porém, é preciso olhar de viés.
Quando enxergamos assim, percebemos no movimento das pernas de uma formiga o
inevitável mistério das coisas, belo e assustador. Vislumbramos a verdade
escondida pelo verniz, às vezes até bonito, mas frágil e insustentável.
O breve caso que contarei ocorreu
há poucos dias, em uma escola na qual dou aula.
Nesse colégio, não faz muito, foi
instalada uma daquelas salas com impressora 3D, cortadora a laser e o escambau.
— Tecnologia de ponta, coisa do
futuro — disseram os políticos.
De tempos em tempos, surge uma
nova mania na educação. Uma febre sazonal. Toda vez promete-se muito e
cumpre-se pouco. E dá-lhe estripulias para render matérias na imprensa, sites e redes sociais. Afinal, uma bela
foto no Instagram seguida de centenas
de curtidas basta para comemorarmos nossa chegada ao futuro.
As salas makers, suspeito,
são a moda da vez. Assim mesmo, em inglês, para dar pompa às circunstâncias, à
espetacularização do momento.
Comenta-se muito, agora, sobre
tecnologia e inclusão digital. Enquanto isso, na realidade, a maioria dos
estudantes amarga desempenhos ruins em disciplinas básicas, como Português e
Matemática.
O objetivo é modernizar a
qualquer custo! Isso me lembra, aliás, o governo de Juscelino Kubitschek e seu
conhecido slogan (e uso slogan porque, hoje em dia, usar
palavras em inglês é cult e cool): 50 anos em 5! A história se
repete, é cíclica. No Brasil, então, isso acontece em várias e várias camadas,
vários e vários ciclos.
Nessa escola que mencionei foi
montada a dita sala maker. Como o
cômodo era grande, no mesmo ambiente foram colocados os livros da biblioteca.
Livros impressos, tradicionais, em papel, por incrível que pareça. Com
lombadas, cheiros e folhas amareladas.
Muitos dos livros possuíam,
realmente, folhas amareladas, já que, em comparação com os equipamentos
novíssimos da era digital, a biblioteca, coitada, era pobre, pobre… Para
cuidar dos equipamentos, havia funcionários. Já para organizar a biblioteca…
Ela que se vire!
Livros impressos, pois, coisas
velhas! Nem um pouco cool. Muitos,
ainda, eram de literatura brasileira, não inglesa e, muito menos, americana.
Quem leria aquilo?
A biblioteca tinha poucos móveis.
Os livros estavam empilhados em pequenas prateleiras e em uma grande mesa no
centro da sala.
Ao olhar para as obras, lembrei-me do texto bíblico de Mateus:
Não ajunteis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem tudo consomem,
e onde os ladrões minam e roubam:
Mas ajuntai tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem consomem,
e onde os ladrões não minam nem roubam. (Mt 6, 19-21)
Um dia todos aqueles livros
virariam pó!
A impressora 3D, pomposa, de
certo, olhava para os exemplares e sentia pena. Caso pudesse falar, talvez
dissesse:
— Ora, mas que belas velharias!
Ao levar alunos ao local,
entretanto, surpreendi-me. Eles não dispensaram muita atenção aos novíssimos e
caríssimos equipamentos tecnológicos.
Curiosamente e sem convite eles
foram aos livros… Quando dei por mim, estavam folheando aquelas antiguidades,
dadas às traças. Tocaram, olharam, sentiram na pele e através do olfato, e
perguntaram se podiam levar livros para casa.
Não sei se há bibliotecárias na
rede municipal de ensino. Ali, pelo menos, não há. Os professores, no entanto,
dão um jeito. Pegam um caderno. Anotam o nome do aluno e do livro retirado.
Assim, de improviso, na boa vontade e sem pompa e tudo em português.
Então, com meu olhar de viés, entendi.
É verdade que os livros fazem
parte deste mundo, onde a traça e a
ferrugem tudo consomem. Porém, quando lemos um livro, o levamos para o
coração, onde nem a traça nem a ferrugem
consomem. Ganhamos, assim, um tesouro imperecível, para toda a vida. Talvez
até mesmo para outra vida.
E, citando mais uma vez o bom e
velho Cristo, onde estiver o vosso
tesouro, aí estará também o vosso coração.
Quando se fala em educação, o
nosso tesouro — onde está?
E a portentosa sala maker e sua impressora 3D: levam-nos
para onde?”.
Autor: Aleixo da Rosa
FONTE: https://www.neipies.com/o-curioso-caso-dos-alunos-que-preferiram-os-livros/