Grupo Planalto de comunicação

Os jovens ainda gostam de religiões

Deus é amor. Para nos ensinar a amar, Ele inspirou o aparecimento das religiões. Deus mesmo não tem religião e Ele pode ser encontrado através de todas elas. (Frei Betto, em Religião é motivo de briga?)

Fui convidado pelo IHR (Instituto Histórico Regional) para uma conversa na arena principal da Feira do Livro de Passo Fundo em 20 de outubro de 2023, dentro da programação oficial. Era uma sexta-feira à noite e a atividade começou às 20 horas (detalhe que a feira fechava às 21 horas). Preparei-me para uma pequena/grande conversa sobre o tema “Religiosidades nas diferentes culturas”.
O assunto da fala, que chamei bate-papo, foi extremamente relevante; afinal, a diversidade religiosa no Brasil é parte da riqueza cultural e constitui nossa brasilidade e identidade. Pensando nas diferentes formas de expressão e em saudações religiosas, expressei-me dizendo Axé, Hare Krishna, Shalom, A Paz de Cristo, Salaam Aleikum/ Aalaikum As-Salaam, Namastê, Aleluia, irmão, Saravá. s
Apresentei-me como professor de Ensino Religioso das redes públicas municipal e estadual e como estudioso das religiões. Com orgulho adotei este componente curricular como preferencial, apesar da minha formação ser da Filosofia.

Mais de 30 pessoas que sentaram na arquibancada ouviam-me atentamente. Falei que sigo a religião Católica Apostólica Romana. Contei, também, da minha relação e convivência de quase 20 anos com pessoas de diferentes credos em nossa cidade, através de formação e encontros de professores e de uma entidade que congrega religiões chamada CONER (Conselho do Ensino Religioso Seccional Passo Fundo).  Disse, ainda, que conhecimentos das diferentes religiões não afetaram em nada minha fé pessoal. Falei, brevemente, das diferenças entre fé, religião e espiritualidade.
Com bastante ênfase, ponderei sobre a importância de estarmos, naquele momento, falando sobre religiosidades, sobretudo em tempos em que o mundo convive com diversos radicalismos e guerras. Disse, também, que era extremamente importante uma Feira do Livro estar trazendo as temáticas da religiosidade e da espiritualidade para o debate público, na perspectiva do Estado laico. Afinal, uma Feira do Livro é realizada em espaço público, promovendo a diversidade dos gêneros literários e dos conhecimentos que nos constituem humanos, inclusive, os conhecimentos religiosos. Sugeri, então, que as edições das próximas feiras dialoguem mais com os atores e sujeitos da cidade que queiram promover, com maior fôlego, conversas e debates sobre os conhecimentos religiosos e a necessidade da tolerância religiosa e cultura de paz.
Destaquei, ainda, a importância da formação dos professores e professoras que atuam no Ensino Religioso das escolas da rede pública municipal e estadual. Reafirmei que estes devem ser bem preparados e devem contar com o apoio que precisam para tratarem os conhecimentos religiosos na pluralidade e no diálogo, sem proselitismos e/ou ensino de moralismos. Afirmei, como aprendi há bom tempo, que conhecer diferentes religiões tem o propósito de aprender a respeitá-las.
Disse também que nossa cidade Passo Fundo possui importantes referências religiosas, templos e diferentes atividades públicas de manifestação das principais religiões mas que, também, ainda convivemos com bastante preconceito e discriminação, especialmente para com as religiões de matriz africana e matriz indígena.
Casos de intolerância religiosa causam preocupação em Passo Fundo. 16/03/2023. Município tem registrado ataques contra religiosos. Religiões de matriz africana são o principal alvo dos criminosos. Assista: https://globoplay.globo.com/v/11454744/
Chamou-me atenção que na plateia que me assistia haviam professoras e alguns estudantes. Estavam bem atentos e acompanhavam todas as minhas falas.
Quando abri o microfone para o diálogo, oito pessoas perguntaram e interrogaram sobre diversos aspectos do que eu havia dito. Dentre estes, dois jovens estudantes perguntaram se eu acreditava no meu trabalho e se o ensino das religiões contribuía para a construção de uma sociedade mais humana e fraterna?
Respondi a todos os questionamentos, alguns até um pouco embaraçosos e complexos. Há sempre que se entender a complexidade do universo das religiões e dos seus conhecimentos e práticas. Minha formação, estudos e convivência com diferentes religiosidades recomendam evitar, sempre que puder, o proselitismo e as comparações.
Por fim, depois desta breve atividade de 45 minutos, despedi-me da Feira mas, sem antes perguntar ao senhor que cuidava do som da arena, sobre a atividade transcorrida. Ele me respondeu:
-O senhor foi bem, mas deixa eu lhe dizer uma coisa: eu gostei mesmo foi dos dois jovens que lhe pediram sobre religião. Eu achei que os jovens não tinham mais interesse em religião.
Jovens não desperdiçam oportunidades para manifestar seu interesse pelas religiões, pois estão em busca de respostas e de vivências de espiritualidade. Os jovens não vivem sem fé e nem estão perdidos como muita gente supõe; eles estão em busca, abertos e ávidos por diálogos que valorizem as suas dúvidas, os seus argumentos e as suas inquietações. Vale ainda lembrar que nossos jovens são a primeira geração que tem condições históricas, à luz de informações e conhecimentos, para escolher suas religiões (mesmo que seja a mesma de seus pais) ou mesmo escolher viver sem.
Autor: Nei Alberto Pies, professor e escritor. Editor do site www.neipies.com

 

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