No domingo, após a Páscoa, a liturgia apresenta o texto do Evangelho de João 20,19-31. São relatados dois encontros de Cristo ressuscitado com a comunidade dos discípulos, sendo que o primeiro está situado no dia da ressurreição e outro, oito dias depois, com a presença de Tomé. É um texto provocativo que abre espaço para várias analogias com o tempo presente.
Por duas vezes, o texto registra que “as portas estavam fechadas” por medo. Os discípulos se trancaram por terem visto a morte violenta de Jesus e isto gerou insegurança e desamparo. “Fique em casa” está entre as expressões mais repetidas atualmente e deste modo você estará protegido do inimigo chamado coronavírus. Viver no medo gera uma série efeitos colaterais e dúvidas. Quem entrar na minha casa será que não trará o vírus? Quem é confiável? Sim, é preciso usar todos os meios de proteger-se, mas não transformar o infectado em inimigo.
No primeiro momento Tomé não estava presente e quando lhe contaram o encontro maravilhoso com o Cristo ressuscitado, ele reivindica a mesma oportunidade. Também quer ver o ressuscitado para crer. O testemunho dos outros não lhe era suficiente pois confiava mais nos cinco sentidos. Somente estes poderiam gerar convicção. É como dizer: “Vou acreditar no coronavírus, já que não o vejo a olho nu, somente depois que tiver experimentado os sintomas mais graves, inclusive ficar na UTI”. A nossa vida pragmática se fundamenta num sistema de credibilidade e somente uma pequeníssima parte do agir é fruto da experiência pessoal. É preciso crer na palavra do outro.
“Meu Senhor e meu Deus!” Tomé é modelo que visibiliza as dificuldades e dúvidas para se crer. Mas é alguém aberto que expressa as suas dúvidas e aceita humildemente as respostas. Depois de um processo, mesmo que sofrido, agora ele pode declarar Jesus Cristo ressuscitado como seu Senhor e Deus. O “Senhor” é aquele que tinha lavado os pés dos apóstolos e os dele também e anunciado a sua morte por eles como expressão de seu máximo serviço. Tomé reconhece o amor de Jesus e o aceita como Senhor, expressando sua total adesão ao Cristo. Também professa a divindade de Jesus Cristo que estava obscura na condição humana.
Com frequência, nestes dias de crise, escutamos que o “mundo será diferente” depois que estes dias difíceis passarem. Será? O que muda o comportamento das pessoas? As mudanças atuais são consequências de decretos, medo de ficar infectado, enfim de causas externas. Tomé mudou só depois que criou convicção ou despertou para a fé. Mudanças profundas e duradouras necessitam estar fundamentadas. Leis e decretos são guias úteis e necessários. Aos que creem em Cristo ressuscitado, a atitude de Tomé, serve para colocar em crise a fé monótona e morna e reafirmar a fé no “meu Senhor e meu Deus”. Duas exemplificações.
São necessárias e elogiáveis as inúmeras iniciativas de partilha de alimentos, materiais de higiene. Isto revela uma multidão de pessoas marginalizadas. As suas reservas são tão pequenas que em poucos dias lhes falta o essencial. Um “mundo diferente” necessita uma urgente distribuição de renda e de bens. A dignidade humana requer a partilha, a fraternidade que estão entre ensinamentos fundamentais de Jesus Cristo.
Outro exemplo: a crise mostra claramente que estamos vivendo numa “casa comum”. As fronteiras dos países, dos estados e municípios são necessárias para administrar o mundo e organizar a sociedade, mas não são muros de isolamento. “Um mundo diferente” clama pela globalização da solidariedade, de mecanismos mais eficazes de gerenciamento de emergências globais.